O MEU TEMPO

23h15 é muito minha hora. A casa fica em silêncio: Tin, Lolô, Manu e Bernardo suspiram enquanto dormem. Eu fico cheia de idéias e correndo o risco de ficar falando de coisas inúteis: sempre esqueço as sacolas retornáveis. 21? PAguei o VISA? Sabe quantas sandálias eu preciso levar ao sapateiro? Seis. Sendo que eu nunca levei nenhuma sapato ao sapateiro, a não ser acompanhando a Titá, com cinco anos de idade. Sabe quantas calças preciso levar à costureira para fazer a barra? Quatro. Sendo que eu nunca fiz barra de calça na vida. Quadro torto também não me incomoda. Hoje ouvi que a mulher de um amigo abriu uma loja de aparelhos auditivos no shopping Higienópolis. Que vai dar certo, vai, mas meio sem graça vender aquelas conchinhas beges... aposto que elas vêm em estojinhos beges e que a loja tem cor neutra. Gosto de cores. Hoje fui ver palestras. Sou vidrada em discursos. Pode ser até de político. Pode ser depoimento de bandido. Pode ser advogado de defesa ou monólogo na arena. Pode ser padre em missa de sétimo dia. Gosto de perceber como as palavras se articulam. Reparo na voz. Voz, vinho e criança não mentem. Gosto de ver a Marilia Gabriela entrevistar. As pessoas ficam sem jeito porque ela cria um ponto de angústia. Aposto que aprendeu com o analista. A Fernanda Torres nunca fica sem jeito. Uma vez no Jô ela contou tanta história. Ela só ficou sem jeito no documentário do Coutinho. O Otto não fica sem jeito, mas ele não tem jeito, é diferente. Sem jeito viajandão eu não admiro tanto. Gosto de quem vai lá e fala o que pensa. E o que pensa é uma idéia genuína de mundo. E quem fala o que pensa calmamente, fazendo até a gente achar tudo óbvio. Gosto de quem não se separa do que tem a dizer. Como saí do sapateiro e vim parar aqui? Ai, vou dormir. Adoro horário de verão. E pão multigrão e chá verde gelado. Quero que chegue logo o café-da-manhã. (...) Quê mais? Hum? Hum? Gosto tanto de uma prosa. Devia ter ido ver a Alina.