sexta-feira, 15 de março de 2013

O CIRCO E A FORMIGA

Um dia foi-me sugerido escrever uma carta de adeus. A carta seria um exercício confessional para ser lida em um grupo. Seria uma carta difícil porque da vida gosto muito. Uma carta delicada porque a Lolô seria minha leitora. E a Manu, que ainda não se alfabetizou, seria a ouvinte da irmã. Pensei que a carta seria alegre. De gratidão. Diria que procurei, procurei, sem cessar, procurei. Levei décadas para sentir um encaixe, eu diria. E bem agorinha me sinto vibrando em harmonia. Falaria que tudo, tudo é passageiro. Que nas despedidas abrevia-se muito. As medidas são assim: o que teve significado, valeu mais. O que tomou tempo, anos, poderiam virar frases curtas. Trabalhei um terço da minha vida em um mesmo lugar. Ponto. Mas esqueci Lolô no circo e ela me perdoou e esse perdão foi um ato de generosidade e doçura e valeria linhas e linhas. Linhas também eu gastaria dizendo que num cedinho do dia, Nuna disse: mamãe, você é uma formiga. Formiga? é, você já viu o tamanho do mundo? Você é dele só uma formiguinha. Isso, filha. Somos só uma formiguinha no fluxo da vida. Uma formiguinha pequena demais para o mundo. Mas, aí está a mágica, temos todo o Universo dentro da gente. Assim me despediria. Dentro da gente está o todo. Mas a carta, não pude escrever nem por exercício.

Nenhum comentário:

Postar um comentário